Como a cultura do cancelamento afeta as relações sociais e a saúde mental

A modernidade trouxe muitos avanços como encurtar distâncias com as mil e uma possibilidades pelos celulares, as redes sociais, o whatsapp, mas ao mesmo tempo produziu comportamentos mais agressivos, levando para o que chamamos de cultura do cancelamento. Mas, o que seria isso? Resumindo, seria a aversão moderna a alguns comportamentos que podem ser classificados como homofóbicos ou racistas, comportamentos preconceituosos ou até mesmo divergências de opiniões que levam às pessoas a cancelarem umas às outras.
De acordo com a psiquiatra Kelly Pereira Robis, a cultura do cancelamento traz prejuízos nas relações sociais e afeta diretamente nosso cérebro. "Esse fenômeno do cancelamento traz uma ideia na qual as pessoas são descartáveis e isso, dependendo do grau de exposição, pode acarretar sérios problemas como ansiedade, depressão, sentimentos de fracasso", diz.
Para a psiquiatra, a cultura do cancelamento se dá quando alguém faz ou fala algo que não agrada. "O que está acontecendo é que quando o outro fala algo que não concordo, eu o cancelo. O problema não está apenas restrito às redes sociais com pessoas nas quais não convivemos e conhecemos. Mas já atinge as relações de amizade e familiares e isso traz a ideia que as pessoas são descartáveis, não podem errar, não são dignas de carinho e do nosso afeto se não concordam com a gente", avalia a médica que é professora da UFMG e da PUC/Minas.
O que ocorre, de acordo com a psiquiatra, é que isso denota uma fragilidade nas relações sociais. "Estamos tolerando cada vez menos as frustrações que possam vir a partir de outra pessoa. Os vínculos sociais estão cada vez mais inconsistentes".
Impactos com a cultura do cancelamento
Kelly Robis ressalta que esse comportamento traz sofrimento para as pessoas. Para a psiquiatra, a cultura do cancelamento traz impactos direto, como na amizade, e indireto, que é a cultura em si que é o fato de não conseguirmos olhar para o outro, além daquilo que é imediato. "E isso gera uma consequente solidão, porque se nós não conseguirmos compreender de forma sistemática o que se passa a respeito do outro, porque o outro tem uma razão para pensar daquela forma, dificilmente iremos conseguir conviver com outras pessoas ou com um número grande de pessoas", avalia.
O terceiro impacto, de acordo com a médica, é uma alienação de fato porque ideias diferentes, inclusive vindo de nossos amigos, contribuem para aumento de neuroplasticidade cerebral para compreensão do problema de diversos pontos de vistas, diversas perspectivas, e tudo isso tem a ver com a flexibilidade cognitiva. "Além de impactar as nossas amizades, impacta como nós nos sentimos por meio da solidão, impacta como nós pensamos, uma vez que nos tornamos cada vez mais inflexíveis".